quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Das Injustiças

O governo vem fazer cortes de 30% no orçamento das escolas privadas com contrato de associação por esse país fora. Ouvem-se já as vozes da desgraça: despedimentos em massa por falta de averbamento para regularização salarial; redução de horários; redução de actividades curriculares e extra-curriculares; o criacionismo a ser ensinado nas aulas de Biologia, em conluio com os professores de Religião e Moral, ou Formação Integral, ou seja lá o que for com que a Igreja fintou a Constituição laica; salmonelas nas cantinas; o Apocalipse.
Um escândalo.
Concordo que haja realmente uma injustiça a ser cometida despudoradamente contra algumas dessas escolas, que apresentam um projecto educativo verdadeiramente alternativo, com conteúdo e com vontade de fazerem mais e melhor; outras, perdoem-me, mas não passam de um sorvedouro.
E contra mim falo. Eu frequentei, felizmente e infelizmente, uma escola privada em regime de contrato de associação. Reconheço (antes que venham dar-me caldos) que de facto, era uma escola imbuída num espírito diferente de outras que frequentei mais tarde, embora como professor; reconheço ainda que de facto, estive incluído num projecto educativo que me propôs mais do que a simples frequência escolar, desenvolvendo em mim muitas mais competências do que a simples tabuada e a resolução de problemas, como fumar na casa de banho às escondidas do contínuo; reconheço, sim, que fez de mim muito do que sou hoje. Para o bem e para o mal.
Reconheço ainda que, a par da vontade própria e dos meus pais, concedeu-me uma cabeça para pensar por si mesma. Assim sendo, tenho de falar.
A mesma escola, através de uns quantos veículos facebookianos (professores, alunos, ex-alunos, e o arroz da cantina, que ainda é mesmo desde a data da fundação) veio pedir-me que me juntasse a eles, para me manifestar, para fazer "barulho, cantar, dançar (...)" nas ruas de Braga aquando da visita do candidato a PR / PR em funções / Darth Vader. Acho válido. Vamos encher um autocarro e fazer uma visita de estudo com os alunos a uma manif. Assim sempre aprendem que não é só nas traseiras junto da capela abandonada que se fumam uns charros, e não é só n' O Brasileiro que os finos são baratos. E sempre os mantemos ocupados. Com coisas e cenas. Tal e qual como na escola. Eles nem vão dar pela diferença.

Cortemos na chacota. Avancemos.

Pois muito bem. Associo-me. Junto-me. Só não me façam fumar charros com os miúdos nem dançar. Mas antes disso, ressalvo a posição. A minha. E ponho os pontos nos "i".
Faço-o pelo sítio onde passei mais tempo até hoje, mais até do que em minha casa. Faço-o pelo Colégio das Caldinhas. Mais nada nem ninguém.
Porquê? Porque de pessoas, apenas vejo fotos de professores. Óbvio, não vamos oferecer menores à devassa das câmaras. Mas vejo aí o "salvem-me o emprego" a passar-lhes atrás dos olhos.
Porque eu fui prejudicado, ao longo da minha escolaridade, por pessoas (algumas delas ainda as vejo nas fotografias) que não souberam gerir, não souberam ser, não souberam estar à altura do "projecto" que defendiam / representavam. Não consigo calar-me. Não consigo conceber como fiquei 3 dias suspenso aos 15 anos por "demonstrações de afecto" no intervalo. Não consigo entender como fui exposto a vergonha pública por beijar a minha namorada. Não entendo como um colégio pertencente à Companhia de Jesus, que prega o amor, a liberdade de expressão, a liberdade enquanto aluno, cidadão, Homem, castra-me dessa forma. Lá está. Deu-me uma cabeça para pensar, mas desde que ela fosse usada fora dos portões. E assim aprendi o que era ter dois pesos e duas medidas, e o que é preciso para fazer de nós hipócritas. Em nome das ciências educativas, claro. E tudo muito cristão, como é óbvio.
Não concebo que, após ter abraçado uma "reforma" educativa , um projecto conjunto proposto pelo Ministério da Educação e pelo CC, no início do ano de 1996, em que seria criada uma alternativa ao modelo "Inglês / segunda língua" e à "Área Tecnológica" no 3º Ciclo do Ensino Básico (7º, 8º e 9º anos, pelo menos na minha altura), que consistiria no ensino de Música. Obviamente que para mim, que com tudo o que metesse língua e fala me via à rasca, e nunca tive propriamente muita queda para as marcenarias / desenhos, e nunca vi grande utilidade num rapaz de 13 anos aprender (para a sua vida enquanto homem adulto) a bordar, optei pelo mais confortável. E assim andei 3 anos feliz da vida, a ter aulas e a idolatrar um homem pelo qual ainda hoje tenho veneração e guardo como um dos poucos Professores (com um enorme "P") que aquela casa ainda hoje tem. Transitei em tudo, quase um "Suma Cum Laude", para o Secundário. Na mesma casa, contra minha vontade, que já algo me cheirava a esturro.
10º ano. Ainda hoje acho repugnante como nunca me dirigiram uma palavra, como ninguém me explicou a situação, como fui tratado como um miúdo. Como apenas comunicaram aos meus pais que, devido a uma nova "reforma", ou devido à anterior conter um lapso, ou apenas porque eles eram uma cambada de imbecis, dado que não tinha frequentado uma segunda língua no EB, teria de compensar, segundo um qualquer iluminado em Lisboa, com uma segunda língua no ES, com prejuízo da primeira, que seria o Inglês no meu caso. Resultado da comédia: fiquei privado durante 3 anos daquilo que eu considero a minha língua "madrasta". Foi-me suprimida a avaliação a Língua Inglesa, a qual seria um mimo para mim para me subir médias e compensar as minhas inaptidões em Químicas, Matemáticas e afins; foram-me "propostas" duas "segundas línguas", mas as que eles queriam (que era para não dar muito trabalho): Latim ou Alemão. Claro. Nunca se sabe se vou ter uma sessão espírita com o Nero, ou entrar num episódio do "Komissar Rex". Ainda pedimos Francês. Pelo menos uma língua que ainda estivesse viva, que não fosse usada apenas para vermos a RTL e que nos permitisse pedir para os franceses usarem desodorizante.
Mas não. Enfiaram-nos em Alemão. E a hecatombe foi maior do que alguma projecção desses senhores ou dos palmípedes em Lisboa podiam prever. Arruinou-me o Secundário. 'Tá bem, eu sei que sou um preguiçoso, e podia ter feito muito melhor. Mas toda a gente sabe que o Secundário vive do equilíbrio de disciplinas para manter uma média. O jogo passa por aí. E eu fui duplamente traído, meus senhores. Perdi um avançado inglês de nota 20, e ganhei um alemão que mal se aguentava em pé quando entrava em campo. O resultado foi catastrófico.

E não, nunca vou perdoar o Colégio das Caldinhas, por isso. Por terem, de certa forma, por inaptidão, hipotecado o meu futuro. Porque pelos vistos, há alunos e alunos. Estes que estão agora a frequentar o Colégio, serão prejudicados por "cortes orçamentais". E isso mexe com os bolsos de quem lá trabalha. E no meu caso, o Ministério quis também prejudicar alunos. Éramos 5. Ainda me lembro dos nomes. Mas nesse caso, não havia bolsos vilipendiados. E então, as mesmas pessoas que me estendem agora a mão para as ajudar, cruzaram as mãos atrás das costas, ajeitaram o bibe e receberam uma imensa festinha na cabeça do Ministério, ele não lhes tirou os chupas, e mandaram-nos vir ter connosco para nos porem na linha. Houve manifestações? Houve protestos? Associação de Pais que nos valesse? Correntes de SMS's, t-shirts?
Não.
Houve cinco miúdos. Cinco Encarregados de Educação, uma carta assinada e perdida algures em Lisboa no ME. Duas reuniões com sei lá bem quem na direcção. E três anos de um calvário imenso, um Zeitgeist (que é para mostrar que pelo menos sei mais em alemão que apenas os números) que se manteve, nos subjugou e por fim nos roubou oportunidades face a milhares de outros alunos neste país.

Querem que me associe à vossa causa?
Não.
Associo-me, isso sim, àquilo que eu guardo para mim, como a escola onde cresci. Não a escola em que os senhores transformaram isso, sejam quem forem. A quem o barrete servir, be my guest.

Ah, mais uma coisinha. Os quase 10 anos que tive de suportar a GERTAL a gerir a cantina deviam ser-me restituídos. Ninguém merece ter de comer aquilo.

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