sexta-feira, 17 de abril de 2009

Das cidades e de Nós

Cruzaram-se por acaso na rua, a mesma rua que ambos percorriam antes de mãos dadas e corações apertados. A princípio não falaram, há alturas em que as palavras custam a sair de gargantas apertadas pelo nó sufocante da perplexidade. Depois veio a conversa de cincunstância, "como estás?" "os teus pais? o trabalho?". "Cortaste o cabelo, fica-te bem assim", e ambos sabem que está a mentir, uma tentativa inocente de sero o mais cordial possível na situação mais tensa em que se viam desde o dia em que resolveram enterrar os machados de guerra e tacitamente terminar as hostilidades. Sempre houve entre os dois a política da terra queimada, deixaram que uma vida em comum (pouco tempo, demasiado tempo) fosse dilacerada no meio das trincheiras em que se aquartelaram.
As mão dele nos bolsos a remexerem as chaves, os olhos dela a percorrerem as ruas à procura de algo, alguém, um pretexto que a furte à conversa que ameaça prolongar-se sem que nenhum dos dois saiba o que dizer para a terminar. Sempre foi a grande vantagem dela sobre ele, jogar em casa, lutar na própria cidade. O seu terreno elevado. Foi por isso que ele passou a odiar a cidade, aliás, todas as cidades onde já tinha amado.
- Bem... está frio e tenho de ir embora que ainda vou ter com a minha mãe ao escritório.
- Sim, claro! Eu também tenho de ir, vou para casa que ainda não preparei nada para o jantar!
A mãe dela está reformada há tempos, e ele não cozinha desde que ela o deixou. Só cozinhava para ela.
Ambos sabem que mentem mutuamente, mas é nessa mentira que vai terminar o sufoco que eles vêm a oportunidade para se despacharem mutuamente. O que dantes era pretexto para estarem juntos era, mais uma vez, o que os afastava.
Despedem-se com os "foi bom ver-te", "a ti também". Mentiras, mentiras. Não sabem como terminar o encontro, mas as cabeças baixas resolvem as dúvidas por eles.
Afastam-se em sentidos opostos, ela sobe a rua e ele desce (sempre teve uma tendência para descer, e mais uma vez parece-lhe adequado).
O que não reparam é que, cada um na sua vez, olham para trás e de novo para a frente, na esperança muda e inconsciente de que se cruzem olhares. Cada um olha para trás e apenas consegue ver o outro afastar-se. Mas eles sempre foram assim. Encontravam-se desencontrados, e nunca vão saber que o que procuravam estava ali, sobre o ombro de cada um. E foi assim que, pela primeira vez, uma esquina selou destinos.

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