sexta-feira, 7 de maio de 2010

Talentos & Companhia

portugal

................................................a partir Portugal de Jorge Sousa Braga

portugal
eu tenho vinte e quatro anos e tu fazes-me sentir
como se fosse nova demais para ti, embora me lembres que estou a caminhos dos trinta.
que culpa tenho eu
que as únicas mulheres da história portuguesa em fascículos
eram uma padeira que nunca existiu e umas quantas rainhas loucas, mães e megeras
só porque escolheste um treçolho na ponta do dedo indicador?

não imaginas como nem sequer fico húmida quando ouço o hino nacional
não estou virada p’ra te levantar o esplendor
(decerto as minhas egrégias avós me compreendem)

ontem fui às compras com a Maga Patalógika
- a vida está cara
a cara com o mal
é o que dá dar
a outra face –
e ela em vez de me dar uma poção, a querer convencer-me que com um ben-u-ron tudo passa
até esta hemorragia de lágrimas e pétalas em salga
esta mucosidade lusa a escorrer pelo atlântico e a acender lusos


portugal
um dia fechei-me no parlamento a ver se te compreendia
mas a única coisa que apanhei
foi uma otite

olha, portugal
eu quero lá saber da nação! – mas levo-te sempre no bolso para ver as horas a transformar-me no Coelho Branco
olha, portugal
eu quero lá saber da nação! – mas pelo sim pelo não
vou votando quando não faço aviões de papel

portugal, estás a ouvir-me?
eu sei que não. as mulheres falam de mais, não é? olha só este poema que já vai em duas páginas

portugal
eu nasci em mil novecentos e oitenta e quatro
cheguei tarde de mais para a festa dos cravos
mas ainda assim
puseram-me um prato na mesa
- estou agora a almoçar
faltam talheres, copo, guardanapo e companhia – nada de ressentimentos
ainda tenho a mão que me sobrou de escrever uma guerra nunca contada
faltam as barrigas de freira para a sobremesa que não devem tardar
- eles dizem que este banquete será sempre bom demais para mim
esquecem-se que somos nós que levantamos a mesa e lavamos a louça e tentamos aquecer
os restos
no micro-ondas


eu nasci em mil novecentos e oitenta e quatro
a venezuelana Astrid Carolina Herrera Irrazábal é eleita Miss Mundo – nada de ressentimentos

eu nasci em mil novecentos e oitenta e quatro
mário soares estava no poder e segue-se-lhe cavaco silva – nada de ressentimentos
à parte o facto de em dois mil e seis voltarem os bonecos bolorentos de uma colecção antiga às vitrinas presidenciais

olha, portugal
começo a ficar deveras ressentida!

portugal,
vou propor-te dois projectos eminentemente nacionais – porque está visto que um só não chega
que bebas um litro e meio d’água por dia, andes meia hora a pé e durmas as oito horas
e que vamos todos e todas
aprender renda de bilros

portugal
gostava de vestir-me de ti
se numa noite de inverno

Rita Grácio

Daqui

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